segunda-feira, 16 de novembro de 2009

O touro e o carneiro

Essa aqui foi rápida e saltou para fora de mim sem que eu tivesse que fazer muito esforço para isso.
Ela é mais uma histórinha que fala de todos nós e de como podemos conseguir muito mais do que esperamos, apenas nos arriscando um pouco.


O touro e o carneiro

O touro e o carneiro

" Um dia um touro e um carneiro pastavam. Se divertiam comendo a grama verde e suculenta que se espalhava como um tapete por toda a extensão da montanha. O touro tinha os pelos negros e brilhantes, corpo robusto e musculoso e chifres pontiagudos. Tinha um olhar sério e sábio e uma postura imponente. O carneiro, bem menor que ele, tinha pelos brancos e compridos, chifres enrolados e um olhar arteiro e vivo.
Um dia, enquanto pastavam, viram uma flor muito bonita em um rochedo próximo de onde estavam e ambos julgaram ser muito saborosa.
- Acho que vou escalar esse rochedo para experimentar essa flor - disse o carneiro.
- Você é um carneiro e não uma ave, vai acabar caindo e se machucando se tentar fazer isso. - respondeu o touro.
- Vamos descobrir- e saiu saltitando de pedra em pedra, em direção ao seu objetivo.
Lá embaixo, o touro olhava para o carneiro, atento aos seus movimentos. Sabia que mesmo que quisesse, não poderia fazer tudo aquilo, pois seu corpo forte e robusto era pesado. Mas na verdade, ele sabia que não seria capaz de fazer aquilo porque era um touro, e seu lugar era no chão. Como também era o lugar do carneiro.
O carneiro continuava saltando e estava chegando ao seu objetivo, rindo enquanto sentia o vento em seu rosto. E foi então que, faltando apenas um pequeno salto para alcançar aquela bela flor, sentiu a pequena plataforma de pedra ruir sob suas patas.
Caiu e rolou rochedo abaixo, parando aos pés do touro, que impassível olhava para ele.
Seu pelo branco estava com manchas escuras de sangue e terra, mas em seu rosto tinha um belo sorriso.
- Eu o avisei que não conseguiria pegar aquela flor. Agora nem eu nem você saberemos se ela era realmente saborosa e você está todo machucado.
- É verdade caro amigo touro - disse o carneiro entre um gemido e outro - Não consegui pegar aquela bela flor. Mas por outro lado, consegui algo que eu não esperava conseguir.
Com um olhar de dúvida, o touro ficou esperando uma explicação.
- O que conseguiu meu caro amigo?
- Enquanto você ficou aqui, parado e sem correr o risco de se machucar, apenas por alguns momentos, consegui ser uma ave. Apenas por alguns momentos, consegui voar. E o sabor disso é melhor do que o de qualquer flor."

Moral da história: Quando nos arriscamos, podemos ganhar muito mais do que esperamos.

Julia

Uma pessoa especial, que entrou na minha vida.
Tento não ficar pensando nos motivos para essas coisas acontecerem, mas não consigo desligar o modo questionador.
Seja como for, pelo menos desse encontro, nasceu isso aqui.
Se algum dia você ler, espero que goste.

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Julia

Juro que a ti meu coração pertencerá eternamente,

Uma vez que ele já repousa em suas cálidas mãos.

Linda mulher que o roubou de mim,

Imploro que do amor que nele reside tenha piedade e,

Atenta e zelosa, cuide dele por toda eternidade.

domingo, 15 de novembro de 2009

A Matrioshka

Juro que a história se fez sozinha. As palavras foram apenas brotando, se contando e eu apenas fui o meio através do qual elas fizeram isso.
Uma história do tipo que eu gosto, simples, despretensiosa, mas que exatamente por isso consegue surpreender e tocar a quem lê. Pelo menos é o que eu espero que aconteça.
Li e reli até que eu achasse que ela estava pronta para ser dada, afinal ela foi feita para alguém especial. Claro que todos podem ler, mas que tenham em mente que ela foi um presente, o qual, compartilho agora com vocês.
Ia quase desistir de escrevê-la na verdade. Não encontrava o tom certo, as palavras estavam enroscadas, enroladas, mas era uma promessa e eu não podia deixar de cumpri-la.
Assim sendo, insisti, arrebentei minha mão e a mágica aconteceu mais uma vez. Como disse acima, a história se fez por si só. E agora que ela se contou, espera apenas para ser lida e se possível, ser útil de alguma forma.
Espero que gostem.

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Tudo que existe no mundo, tem uma série de histórias para explicar sua origem.
Das explicações mais científicas até as mais místicas, das mais realistas até as mais fantasiosas.
Histórias que servem para ensinar alguma coisa e outras apenas para explicar determinado assunto. Algumas mais divertidas e outras não tão divertidas assim.
E pensando nas histórias, fui atrás de alguma que conte a história da origem da Matrioshka e o que achei foi meio que, digamos assim, simples demais!
Diante disso, como eu sempre preferi as histórias mais fantásticas, resolvi contar uma versão para vocês, que não serão capazes de encontrar em nenhum outro lugar.
Uma história única, como vocês e incrível, como vocês, mas com algumas pitadas de realismo e outras largas doses de fantasia.
Espero que gostem.



A Matrioshka

Conta-se uma história entre os russos, que explica a criação da Matrioshka.
Diz-se que há muito tempo, em um pequeno reino no interior da grande nação dos Czares (também conhecida como Rússia), vivia uma jovem princesa, cujo nome todos haviam esquecido.
Uma bruxa temível, conhecida por alguns como Baba Yaga havia se mudado para uma floresta próxima ao reino e seqüestrado a jovem princesa.
Não bastasse tamanha maldade, Baba Yaga, no momento em que a seqüestrou, lançou um feitiço em todo o reino, fazendo com que todos, inclusive seus pais, esquecessem seu nome.
E assim, um pequeno reino outrora feliz, estava mergulhado em uma profunda tristeza e ali, todos choravam pela princesa raptada cujo nome haviam esquecido.
Os dias iam se passando e alguns nobres e valentes cavaleiros tentaram partir em seu resgate, na tentativa de salvar a bela princesa e conseguir uma grande recompensa, mas nenhum regressou. Da floresta para onde partiam só se escutava os gritos de dor, o som de ossos sendo triturados e o riso medonho da bruxa.
E logo depois...nada! Apenas o silêncio.
O rei e a rainha não sabiam mais o que fazer. Guerreiros, cavaleiros, nobres e feiticeiros, nenhum havia sido capaz de salvá-la, e assim sendo, já tinham perdido toda a esperança de resgatar sua filha. Ninguém mais ousava se aventurar por aquela floresta de onde ninguém havia conseguido voltar. Nem mesmo a enorme recompensa e a beleza da princesa eram motivos suficientes para encher seus corações de coragem.
Mas como não há mal que dure para sempre, um dia chegou ao reino um jovem rapaz chamado Sergei Maliutin.
Era um jovem alegre, com um belo sorriso. Tinha um jeito simples e despreocupado. Seus trajes eram humildes e surrados o que dava a entender que há muito vivia nas estradas. Com ele, apenas uma sacola de couro com poucos pertences, mas em seu coração é que estava seu maior tesouro e isso, era o que podia salvar a princesa.
Ao chegar ao reino, Sergei notou que todos estavam tristes e perguntou a um velho senhor o que acontecia de errado ali. Com lágrimas nos olhos, ele contou o caso da princesa esquecida e disse que todos estavam tristes por ela e que não havia mais ninguém com coragem para salva-la, nem mesmo com a grande recompensa oferecida em troca.
O jovem, curioso com a história que acabara de ouvir e mais curioso ainda a respeito da grande recompensa, se dirigiu ao castelo, onde pediu para falar com o rei.
- Por favor, caro guarda, poderia falar com o rei desse belo lugar? – Perguntou educadamente à sentinela que guardava o portão
- Sobre o que deseja falar aldeão? –perguntou o guarda com desdém.
- Gostaria de me oferecer para resgatar a pobre princesa que caiu vítima da maldade da bruxa que vive na floresta.
- Você? E o que te faz pensar ser capaz de fazer isso quando outros mais indicados ao trabalho falharam? – disse o guarda rindo ao medir Sergei, de cima a baixo.
Sergei era um rapaz alto, mas nem forte nem fraco. Seu corpo denunciava sua predileção por prazeres fugazes a exercícios. Era jovem, se aproximando dos 30 anos e a única evidência disso era uma calvície já um pouco acentuada.
- Não sei se sou mais ou menos capaz meu caro guarda, mas acho que só o fato de eu ter coragem de tentar quando outros desistiram já me qualifica não concorda? – E sorriu seu sorriso alegre.
Esse seu sorriso era sua maior arma. Era amável e sincero e ele já o havia livrado de várias enrascadas.
Sentindo as orelhas queimarem de raiva e sem resposta, o guarda se resignou apenas a escoltá-lo até a sala do trono.
Chegando até a sala do trono, encontrou o rei e a rainha sentados em seus respectivos tronos. A tristeza no olhar de ambos era evidente e o clima era pesado, fúnebre.
- Caro rei, cara rainha. – Disse ao se ajoelhar perante eles - Me chamo Sergei Maliutin e acabo de chegar neste reino e ouvi a triste história do rapto de sua filha. Também ouvi que a bruxa, má como só ela, não se contentou apenas em seqüestrar a pobre princesa, mas também roubou o seu nome da memória de cada um que a conhece e a ama. Diante disso, gostaria de pedir a permissão de vocês para resgata-la dessa criatura maldosa e assim, poder devolver o sorriso e alegria roubada da vida de cada um dos habitantes deste belo reino.
O rei levantou o olhar, triste e aguçado para aquele jovem simples e confiante e logo em seguida olhou para a rainha.
Ela também encarava Sergei, e ele podia sentir uma imensa sabedoria por detrás daqueles olhos marejados e irritados por horas de choro.
- Meu jovem, você se julga capaz de vencer onde tantos outros falharam? Você possui alguma habilidade especial ou a recompensa que oferecemos turvou sua mente e lhe tirou a razão? – Perguntou a ele, a rainha.
- Minha cara senhora, não nego que a recompensa seja tentadora, mas não é o que me faz desejar ajudar. Também entendo que olhe para mim e não veja nada de especial. Mas lhe digo que quero fazer isso apenas porque é o certo a se fazer. Se conseguir, e me julgarem digno de tal recompensa, ficarei feliz em aceitá-la. Se não conseguir... bem, não terão que se preocupar com mais esse assunto.
Enquanto o rei e a rainha conversavam entre si, ele começou a examinar a sala do trono. Quadros com imagens dos antepassados ornamentavam a parede, mas um quadro em especial fez com que ele se detivesse. No maior quadro de todos, uma linda jovem, com os cabelos negros e lisos até o ombro, com uma pele clara como as pétalas das margaridas que nasciam nos campos sorria. Ela estava sentada em uma cadeira. Em seu colo, um gato descansava tranqüilo. Seus olhos atentos e brilhantes mostravam o prazer que sentia ao ter seus pelos cor de caramelo alisados por sua dona. Tinha um sorriso travesso escapando de seus lábios delicados e no momento em que viu os olhos dela, soube que era ela a vítima da bruxa e também soube, mesmo sem ter percebido como isso aconteceu, que acabara de encontrar a mulher de sua vida.
Ela era a princesa.
- Majestade, essa bela jovem é a princesa? – Perguntou apenas para ter certeza do que já sabia.
- Sim, Sergei, essa é nossa filha amada, que de nós foi tomada e por maldade, nem seu nome nos foi permitido lembrar.
- Ele não conseguia desviar os olhos daquela jovem que mesmo sendo uma pintura, tinha um olhar que atravessava seu coração. Um olhar que fez com que ele esquecesse de imediato a fortuna prometida, as aventuras já vividas e os vários beijos que já havia provado. Um olhar que pela primeira vez o fez sentir vergonha do que havia para ser visto dentro dele.
O mundo parou para ele no instante em que seu olhar cruzou com os olhos daquela moça, tão linda e que parecia tão viva naquele retrato.
- Majestades, eu prometo pelo meu coração e pela minha alma que irei resgatar sua filha e em troca disso, gostaria de pedir uma coisa a vocês.
- E o que seria ambicioso e ousado aventureiro? Mais dinheiro? O trono? – Perguntou o rei irritado e visivelmente cansado de tantos pedidos e exigências já feitas em troca da promessa até agora não cumprida de resgatarem sua filha.
- Não meu bom rei, nada disso. Abro mão de todas as riquezas oferecidas. Não quero dinheiro, não quero terras, não quero títulos honrosos. Só peço que, se for da vontade de sua filha, me permitam desposa-la pois, mesmo parecendo loucura, acabo de me apaixonar por ela.
Incrédulos, ambos se olharam e a rainha se permitiu um pequeno sorriso descontraído. Encarou Sergei por alguns instantes e finalmente disse:
- Caro Sergei, se não é louco, é a pessoa mais corajosa que conheci. Pois bem, se for da vontade de nossa filha ser sua mulher e além de resgatá-la conseguir conquistar seu coração, então terá nossa benção. Agora vá, pois a saudade que sentimos dela vem torturando nossos corações há muito tempo.
- Em breve estarei de volta majestade. Com ela ao meu lado. Eu prometo.
E se despediu fazendo uma mesura exagerada.
Saiu do castelo e rapidamente se dirigiu ao centro da cidade. Seu coração estava alegre e leve. Há muito tempo ele não se sentia assim. E isso lhe dava coragem para ir em busca de sua princesa.
Chegou até o centro da cidade e anunciou que iria resgatar a princesa e pediu que lhe mostrassem onde ficava a floresta pois queria partir logo.
Assim que a notícia de que mais um aventureiro iria tentar salvar a princesa se espalhou, uma multidão de pessoas se aglomerou a sua volta. Gritos de apoio, risadas esperançosas se faziam ouvir por toda a cidade. A multidão seguiu o jovem Sergei Maliutin, antes um jovem andarilho perdido no mundo e agora, um aspirante a herói e a esperança de alegria de todo um reino.
O povo o acompanhou rindo e cantando até a entrada da floresta, onde se detiveram. Ali, na entrada daquela floresta, os risos e cantorias cessaram.
A floresta era imponente e escura e parecia um portal para um outro mundo, mais escuro, frio, assustador e perigoso.
Sergei olhou para a floresta e dela só se ouvia o sibilar do vento ao passar pelos galhos retorcidos das árvores e o lamento de alguma ave perdida por entre esses mesmos galhos.
Por um breve momento ele sentiu medo, afinal era humano, mas logo em seguida lembrou-se do olhar da moça do quadro, aquele olhar forte que o atravessou como se ele não fosse nada, aquele olhar que tomou seu coração de assalto. Respirou fundo e rumou para dentro da floresta ao som de aplausos e votos de sucesso da multidão que o acompanhara até ali.
Caminhou pouco dentro da floresta, mas já parecia uma eternidade. Já não era capaz de ouvir os aplausos e gritos de apoio vindos das pessoas que o seguiram. O ar era pesado e denso, parecendo formar uma barreira que isolava a floresta do resto do mundo. A luz quase não conseguia atravessar as copas das árvores e a única iluminação era através de pequenos faxos que conseguiam escapar dos emaranhados de galhos e assim tocar o solo. Uma neblina subia do solo dando um efeito ao mesmo tempo assustador e belo. Insetos de todos os tamanhos e cores voavam pela floresta ou se arrastavam para debaixo de alguma pedra conforme ele caminhava floresta adentro.
Caminhou sempre em direção ao norte como os moradores haviam indicado e depois de algumas horas, chegou até uma clareira onde viu a casa da bruxa.
Parecia com uma casa comum a primeira vista e assim passaria para qualquer um, se não fosse o fato dela se sustentar em cima de pernas de galinha. As pernas estavam dobradas, como se a casa estivesse descansando e inclusive se podia ouvir um leve som, que lembrava um ronco.
Tudo estava silencioso e calmo. Não se ouvia nenhum pássaro, nem o vento soprando através dos galhos das árvores, nada.
Apenas o silêncio.
Respirando fundo e tomando coragem, Sergei caminhou para dentro da clareira e tudo mudou.
A casa rapidamente se levantou, como se um alarme tivesse sido tocado e de trás dela, saltaram três cavaleiros que rapidamente o cercaram. Um era vermelho, o outro azul e o terceiro amarelo, bem como seus cavalos. A casa gritava e saltava, seu grito parecido com o cacarejar de uma galinha.
Pulava e gritava, pulava e grita...
E de repente, com um forte estrondo, a porta da frente se abriu e finalmente a bruxa apareceu.
Saiu montada em um estranho objeto, que parecia um pilão. Voou ao redor da casa, rindo sua risada maléfica e logo depois pousou em frente à Sergei.
- O que faz aqui jovem incauto? Porque ousa vir até minha floresta?
Ela era velha e feia. A pele, ulcerada e mofada ficava pendurada em cima de seus ossos salientes. Seus olhos eram brasas vivas que ficavam encaixados nas órbitas fundas e pareciam prontos para queimá-lo a qualquer instante. Sua voz, fria como o vento cortante do inverno fez seu corpo se arrepiar por inteiro.
Assustado, Sergei perdeu o folêgo por um momento, mas respirou fundo, se recompôs e respondeu:
- Vim atrás da princesa minha cara senhora.
- HAHAHAHA, mais um tolo querendo salva-la? Não viu o que aconteceu com os guerreiros que já tentaram esse feito?
- Não senhora, não vim resgatá-la. Queria encontrá-la porque sabia que assim encontraria a senhora.
Eis uma resposta que ela não esperava. Sem saber o que responder, a bruxa encarou os olhos alegres e sinceros do jovem rapaz e perguntou:
- Porque me encontrar? O que poderia um ser insignificante como você querer com a maior bruxa de toda a Rússia?
- Minha cara Baba Yaga...
- Como sabe meu nome? – interrompeu a bruxa sem saber o que pensar a respeito daquele estranho jovem.
- Cara bruxa, como não saber o nome da maior e mais famosa bruxa de todo o país? E também pelo que ouvi dizer, da mais inteligente de todas.
Bom, ele havia lançado a isca. Lembrou-se que um dos anciões, quando contando do rapto da princesa, comentou que se dizia por ai que a bruxa era extremamente orgulhosa e se achava a criatura mais poderosa e inteligente de todas.
A isca estava lançada e agora restava apenas torcer para que ela mordesse.
E mordeu.
- Agradeço os elogios meu jovem, mas isso não vai me impedir de devorar você até os ossos. – Disse lambendo os lábios – Eu adoro os ossos...
- É verdade, outra coisa que ouvi foi acerca de seu apetite voraz e agora comprovo que é verdadeiro. Mas se me devorar, com certeza irão espalhar que você ficou com medo do único homem capaz de superar sua inteligência...
Conforme ele esperava, a provocação surtiu efeito imediato na orgulhosa bruxa.
- Você capaz de derrotar Baba Yaga? A maior de todas as bruxas. Ninguém é capaz desse feito. NINGUÉM!!
- Bom, se você assim o diz, então pode me devorar. Eu pelo menos serei lembrado como o único capaz de ter te vencido... – E em uma atitude de submissão, se ajoelhou perante a bruxa e abaixou a cabeça.
- Pois bem humano, se julga ser capaz de tal feito, então eu o desafio a me vencer.
Se erguendo de um salto e espanando a poeira de suas calças, o jovem sorriu satisfeito.
- Está certo grande mestra da bruxaria, eu aceito seu desafio, mas qual será meu prêmio se eu a vencer?
- Prêmio? Sua vida ser poupada seria um bom prêmio não seria? – riu a bruxa maliciosamente, mostrando caninos podres, porém afiados como as presas de um lobo.
- Sim grande bruxa, com certeza seria um grande prêmio ter minha vida poupada por uma criatura tão poderosa e sábia como você, mas se eu saísse daqui vivo sua reputação seria manchada não concorda?
Ela coçou seu queixo enrugado e pontuado de verrugas por uns instantes, pensativa.
- É verdade, você está certo. O que você sugere então?
- Poupe a vida da princesa e me devore. Você pode apagar a lembrança dela e ninguém irá saber de nada.
- Pois bem meu ousado jovem, aceito sua proposta e aceito o desafio. Se me vencer a princesa será libertada e você será devorado, mas se perder ambos serão devorados. De acordo?
- De acordo.
- Então entre em minha casa e vamos resolver essa questão.
Com um sorriso de satisfação, Sergei abriu caminho entre os cavaleiros que o cercavam. Passou por eles empurrando suas lanças enquanto dizia a cada um deles, um “com licença” debochado. Assim que se viu livre do cerco dos cavaleiros, seguiu a bruxa até a porta de sua casa. Ao se aproximar notou que as fechaduras (que eram várias) eram feitas com dentes humanos e lembravam bocas e toda a parte de fora da casa, era decorada com ossos humanos (e eram muitos ossos).
Sergei se deteve um momento na entrada, mais por curiosidade do que por medo, mas fingiu estar assustado. Ele sabia que quanto mais convencida de suas habilidades, maiores as chances da bruxa cometer algum erro que o ajudaria. E mais uma vez deu certo...
- O que foi meu caro? Está com medo? HAHAHAHA – ela ria divertida, alegre, sua risada fria como o vento do inverno.
- Não senhora – disse ele tremendo os lábios intencionalmente – apenas estou admirando sua bela casa.
- Gostou da decoração? São os ossos dos cavaleiros que tentaram resgatar a princesa e, como pode perceber, não conseguiram. Esses eu resolvi não comer, mas entre logo para começarmos e terminarmos o mais rápido possível. A hora do jantar já se aproxima.
Ao se aproximar da porta, a velha bruxa fez alguns gestos com a mão e disse algumas palavras estranhas. Logo em seguida as fechaduras começaram a bater, como dentes tremendo em um dia frio e assim começaram a se abrir, uma a uma até que a porta se abriu sozinha.
Baba Yaga foi na frente e sem olhar para trás, fez um aceno convidando Sergei a entrar.
Assim que entrou, notou que o interior da casa era simples, lembrando uma casa humilde. Uma única e grande sala, sem divisões. Em um canto uma velha cama. Ao lado dela uma estante com vários livros e jarros com pedaços de... coisas, digamos assim, boiando em líquidos de diversas cores. Em um outro canto algumas jaulas, com alguns ossos espalhados pelo chão envolvidos em restos de roupas. Em um outro canto, um imenso fogão a lenha, com um enorme forno. Um forno realmente grande, a ponto de caber uma pessoa inteira dentro dele.
E em outro canto ele a viu.
Dormindo em uma cama muito bonita e bem cuidada, estava ela, a princesa. Sua pele era tão clara que combinava de uma forma estranha com o vestido branco que ela estava usando, parecendo ambos serem uma única coisa. E seus cabelos negros emolduravam seu rosto como se fosse uma coroa, feita da mesma matéria que forma a noite. E ele se entristeceu ao ver seus olhos fechados. Aqueles olhos que o haviam conquistado sem sequer te-los visto pessoalmente. Se através de um único retrato eles já possuíam tal força, qual não seria o poder desse olhar pessoalmente? Mesmo ali, enfeitiçada e presa em seu sono imperturbável, ela era a mulher mais linda que ele já havia visto.
E foi ali que ele se deu conta de que estava completamente apaixonado por ela.
- Sente aqui meu jovem, essa mesa é confortável e fica próxima ao forno. HAHAHA!!! Mas primeiro, vá até minha estante e me traga aquela boneca vermelha que está lá.
Obediente, Sergei foi até a estante e começou a olhar as coisas estranhas que haviam lá, coisas que ele preferiu esquecer depois de um tempo. Procurando pela boneca, a encontrou em um canto, próxima de um livro escuro e já muito gasto. Ela era pequena e tinha suas formas arredondadas. Não possuía braços ou pernas além dos que estavam pintados nela. Parecia mais com uma garrafa pintada com o rosto de uma velha e ele riu da idéia.
- Essa é a boneca?
- Sim, é essa mesma. Pode trazê-la para mim? Sou uma velha senhora e não posso me dar ao luxo de ficar sentando e levantando a toda hora. HAHAHA – riu maliciosamente a bruxa.
Ele concordou com a cabeça e puxou a boneca, sem querer puxando o livro e deixando-o cair. Abaixou para recolhê-lo e viu uma foto saindo de dentro dele. Não pode ver a foto por completo, mas na parte que estava saltando do meio do livro, conseguiu ver um rosto jovem, de uma garota muito bonita e muito parecida com a princesa. E uma inscrição no rodapé de onde só se podia ler ... e Julia.
Sergei se abaixou para recolher o livro e aproveitou para rapidamente esconder a foto em sua calça. Ao apanhar o livro, sem sequer notar como aconteceu, a bruxa estava ao seu lado, segurando sua mão com uma força tão grande que ele julgou que teria o braço quebrado.
- Jamais toque nas coisas de uma bruxa. Eu deveria te matar agora mesmo seu humano curioso e insolente.
- Desculpe-me poderosa bruxa, eu apenas queria recolher o que eu tão desastradamente deixei cair. Não foi minha intenção mexer em seus pertences.
- Tolo, tem sorte de eu ser tão misericordiosa. Vá se sentar e vamos resolver essa questão depressa. A fome começa a me incomodar.
Surpreso com a força e a velocidade daquela criatura cuja forma de uma velha escondia seu verdadeiro poder e força, Sergei correu para a mesa e se sentou. A bruxa arrumava o livro com um cuidado especial, como se fosse algo sagrado para ela e Sergei temeu que ela procurasse pela foto e não a encontrasse. Por sorte, ela apenas recolocou o livro na estante e voltou para a mesa. Baba Yaga sentou-se de frente para ele, com a boneca em suas mãos e o encarou por alguns instantes.
Seus olhos ardiam, quentes. Parecia que a qualquer instante saltariam labaredas deles. Mas eles não eram nem de longe tão poderosos como o da bela princesa que ali dormia.
- Jovem atrevido, essa boneca é mágica. Ela possui cinco enigmas para desvendá-la por completo. E ao final deles, você encontrará a chave que libertará a princesa. Pronto para começar?
Sergei apertou as mãos, lambeu os lábios como sempre fazia antes de algum desafio e aquiesceu com a cabeça.
- Pois bem, eis o primeiro: Existem várias parecidas, mas nunca iguais. Somente uma sobre todas as outras se sobressai. E o nome é a chave para abrir o caminho. De fora para dentro e de frente para trás.
Sergei se permitiu um sorriso. Essa bruxa era realmente orgulhosa e convencida de suas habilidades. E seu orgulho, que seria sua ruína, havia dado a ele sua primeira vitória.
- Poderosa bruxa fico feliz em dar essa resposta, pois com orgulho posso dizer, sem medo de errar nem tendo nada a temer, que o nome que me pede, para alguns, um nome de reverência e para outros, o nome de uma praga, não haveria de ser outro que não o nome da grande Baba Yaga.
Assim que ele disse essas palavras, ouve um pequeno estalo e a boneca se abriu, revelando outra menor em seu interior, como a que acabara de se abrir.
A bruxa tirou a boneca menor de dentro da outra e a colocou sobre a mesa.
- Teve sorte jovem, muita sorte. Mas vejamos como se sai com o próximo enigma.
Sergei sorria de forma discreta, encarando aqueles olhos ardentes. Chamando pelo próximo enigma.
- Mais forte que a lenha, minha casa toda ele sustenta. Mas por mais forte que seja uma mordida dos meus dentes ele não agüenta. Tempero com sal e fica saboroso, mas o que me tenta é temperar com pimenta. O que sou eu?
Mais uma vez Sergei sorriu aliviado, pois mais uma vez, o enigma era muito fácil.
- Grande bruxa que há muitos atormenta, eu não gosto disso, nem com sal nem com pimenta. Em minha boca é duro como um caroço, mas tenho quase certeza que fala do, para você saboroso, osso.
E mais uma vez um pequeno estalo se ouviu e a boneca que estava dentro da primeira também se abriu. Dentro dela havia outra boneca, e Sergei notou que a cada pintura que aparecia, uma ia ficando mais jovem que a outra. Baba yaga novamente tirou a boneca que estava no interior da outra e foi colocando uma ao lado da outra.
A frustração era evidente nos gestos irritados e apressados da bruxa..
- Você é muito esperto meu rapaz, mas vamos ver no próximo como é que se sai.
Sentado frente a frente com a bruxa, Sergei coçava a cabeça timidamente, e sorria para ela.
- Vamos ao próximo. – disse ela em tom de desafio. - Às vezes bruxas, às vezes deusas. Às vezes feias e às vezes donas de raras belezas. Inflamam corações e podem destruir nações, qual o nome dessa criatura que pelo mundo circula fazendo dos outros a vida ora fácil, ora dura?
Mais uma vez a bruxa havia sido vítima de seu orgulho exagerado.
Sergei se arrumou na cadeira e limpou a garganta com um audível hun hun, e então disse:
- Minha cara senhora de rara sabedoria, já cruzei algumas vezes com essa criatura às vezes amável, às vezes doentia. Às vezes linda e bondosa como uma bela dama, outras vezes ardente, fascinante e perigosa como uma chama. Mas se minha mente não se engana e meu coração com todo seu perigo ainda a quer, o nome dessa criatura com certeza é mulher.
E mais uma vez um estalo se ouviu e a boneca se abriu, revelando uma outra boneca dentro dela. Menor e mais jovem do que a anterior.
Baba Yaga estava começando a ficar furiosa com esse jovem atrevido. Nunca ninguém havia a desafiado e muito menos com chance de vencê-la. Rapidamente ela tirou a boneca de dentro e a colou ao lado das demais. Sergei olhava e notava que a primeira e maior era pintada com o rosto de uma velha. A segunda tinha o rosto de uma senhora de rosto triste, a terceira, de uma mulher grávida e a quarta, a mesma mulher, mas sem a barriga oriunda da gravidez.
- Você é muito esperto meu jovem e ainda assim, mesmo me vencendo irá ser minha janta. Como consegue ficar tranqüilo assim?
- Como eu disse cara senhora, meu único interesse é provar que posso vencer a mais sábia e poderosa das bruxas.
- Pois bem, então aqui vai o próximo enigma: De uma delas eu vim, de uma delas você também veio. Um dia uma delas irei me tornar e você, nem se muito implorar. Boa ou má, presente ou ausente, bela ou feia todas podem cultivar a semente. Quem sou eu?
Nesse momento Sergei teve uma intuição. Ele não sabe se foi o tom de tristeza misturado à raiva na voz da bruxa ou algo que ele sentiu. Talvez tenha sido a lembrança da foto que ele encontrou no livro ou a raiva e frustração, misturadas na voz e no olhar da bruxa quando ela o atacou. Mas quando ele viu as bonecas, e as fases da vida de uma mulher que elas representavam, tudo fez sentido.
Era apenas um palpite, mas era tudo o que ele tinha no momento.
E confiou em seu palpite.
- Grande bruxa, confesso que esperava mais. Se me permite a ousadia, pelo que falaram de você julgava que seria mais capaz. Mas sem enrolar vou direto a questão, a resposta que me pede é mãe.
Assim que o estalo se fez ouvir, a bruxa irritada se levantou e atirou a cadeira contra a parede, quebrando-a em vários pedaços.
- Tolo rapaz, acha que pode vir até minha casa e me insultar? Como ousa fazer graça de mim? Eu sou Baba Yaga, a mais poderosa de todas as bruxas.
Sergei permanecia calmo, olhando para a boneca que havia se aberto revelando uma pequena boneca, mais jovem do que todas as outras e que lembrava a princesa adormecida.
- Pois bem grande bruxa falta apenas uma questão e terei derrotado você. Está pronta?
- Sim atrevido, estou pronto, mas para te devorar. Esse jogo acaba agora e você está morto.
Se aproximando de Sergei velozmente, o agarrou pelo braço e o atirou contra a parede próxima ao forno. Ao bater contra a parede, ficou atordoado com a força do impacto e caiu sentado. Com um gesto das mãos, Baba Yaga fez a porta do forno se abrir e as chamas se acenderam. Sergei pode sentir o calor das chamas que o esperavam e labaredas saltavam do forno em sua direção, como línguas tentando provar o sabor da refeição que estava por vir.
A bruxa caminhava lentamente em sua direção, lambendo os lábios e salivando por entre as presas afiadas.
E foi então que Sergei usou sua última carta.
- Bruxa infame e covarde, se vai mesmo me devorar, me de a chance de te derrotar. Diga-me o último enigma e poderá de mim se fartar.
- Pois bem tolo rapaz, o último enigma é o seguinte: Mulher que vira mãe e mãe que vira bruxa. O que de tão importante pode ser perdido a ponto de transformar um anjo em um demônio?
Ele havia conseguido. Exatamente o que ele queria.
Seu palpite estava certo.
Levantou-se e ficou em frente ao forno. As chamas estavam fortes e quentes e chamuscaram sua pele. Aproximou-se e levantou a camisa, tirando a foto que havia encontrado no livro. Olhou para a foto e pode ver a inscrição por inteiro.
Dizia: Matrioshka e Julia. A jovem, realmente muito parecida com a princesa e a outra mulher, mais velha que ela, com certeza era Baba Yaga.
Era sua mãe, sua Matrioshka.
Virando-se para a bruxa, disse apenas:
- Um filho ou uma filha. Sua filha que muito se parece com a princesa e que tenho certeza de compartilharem mesmo nome.
A bruxa olhava para ele incrédula. Ela havia sido derrotada, enganada e isso ela não podia permitir.
- Sua filha. Você perdeu sua filha. Sua Julia. E sua mágoa e tristeza te transformaram nesse demônio.
Um pequeno estalo se ouviu.
A bruxa, parecia um monstro agora. Suas costas estavam arqueadas, como um gato em posição de ataque. Sua boca salivava e as presas estavam a mostra. Era incapaz de falar, apenas sibilava por entre os dentes, sua respiração rápida. Suas unhas viraram garras afiadas, capazes de dilacerar um homem como se ele fosse feito de papel.
- Tolo rapaz, você não sabe o que fez. Despertou toda minha fúria e irei te comer pedaço por pedaço, para que esteja vivo ainda quando eu chegar ao seu coração.
- Se vai me comer mesmo velha bruxa, então permita que eu ajude a aumentar o fogo em que irá me assar.
Ao dizer isso mostrou a foto e a atirou em direção as chamas.
- NÃÃÃÃÃÃÃOOOOOOOOO! – gritou a bruxa e correu em direção ao forno, desesperada para salvar a foto, a única lembrança de sua filha perdida.
Quando ela se aproximava do forno, Sergei rapidamente colocou o pé em sua frente fazendo com que ela tropeçasse e caísse dentro do forno.
Ela nem pareceu notar o que havia acabado de acontecer. Tudo o que importava para ela era a foto. Caindo dentro do forno, Sergei rapidamente fechou a porta dele e a trancou. Lá dentro, pode ver a bruxa sendo consumida pelas chamas, mas sem mostrar sinal de dor ou de tristeza. Ela estava ali, sendo queimada viva e a única coisa que fazia era segurar a foto em suas mãos como se dela dependesse sua vida.
Vendo a cena, Sergei não pode deixar de sentir pena daquela bruxa que um dia havia sido uma mulher, uma mãe e que, por uma fatalidade, teve a razão de sua vida, toda a fonte de sua alegria, retirada de suas mãos.
E foi assim, que há muito tempo atrás, uma mulher que era chamada de Matrioshka por sua querida filha, passou a ser conhecida como Baba Yaga, a bruxa devoradora de homens.
Sergei correu em direção a boneca e notou que a última delas, a menor e mais jovem possuía um pequeno colar em volta de seu pescoço. Ele o tirou com delicadeza e viu ele se encolher na palma de sua mão, até atingir o tamanho de um anel.
Sergei pegou o anel e recolocou as bonecas, uma dentro da outra e as guardou em sua bolsa e finalmente se dirigiu a princesa esquecida, mas que agora sabia que se chamava Julia.
Ao chegar próximo a ela, parou para admirá-la. Era linda, perfeita. E teve certeza que mesmo que tivesse sido devorado pela bruxa, se isso tivesse sido capaz de libertá-la de sua maldição, ele morreria satisfeito e feliz.
Ajoelhou-se ao seu lado e colocou o anel no dedo dela.
E sussurrando disse:
- Eu te amo.
Nesse momento, o mundo pareceu ser engolido por um redemoinho. As paredes da casa começaram a trincar, a casa tremia como se estivesse havendo um terremoto. O teto foi arrancado e arremessado longe. Em um momento não existia mais casa, forno, bruxa, nem nada, apenas ele e ela, flutuando em um turbilhão de ar, rodando, rodando, rodando sem parar. E assim foi até que desmaiou.
Quando acordou, não sabia quanto tempo havia se passado, mas pode ver que não estava mais na floresta. Ele havia voltado ao reino. Olhou para o lado e lá estava Julia, deitada sobre um monte de feno, imperturbável. Por um instante ele ficou preocupado com o fato do feitiço não ter sido quebrado, mas esse medo se foi ao ver ela preguiçosamente rolar para o lado e soltar um suspiro aliviado, descansado.
A tomando em seus braços, começou a caminhar em direção ao castelo e logo os moradores começaram a aparecer e o seguiram até lá, onde o rei e a rainha apareceram para conferir de perto se os gritos realmente indicavam o acontecimento que eles tanto esperavam.
E ao alcançar o pátio que marcava a entrada do castelo, viram que era tudo verdade.
Aquele pobre andarilho, que havia chegado há pouco no reino não tendo nada além de sua bolsa, havia conseguido algo que nem o mais bravo de todos os guerreiros havia conseguido. Ele, sozinho, conseguiu salvar a princesa Julia (agora que o encanto havia sido quebrado todos voltaram a se lembrar do nome dela) e ainda destruir a bruxa.
Com os gritos, finalmente a princesa despertou e olhou para ele. Ele estava certo quanto ao olhar dela. Era o olhar mais doce e ainda assim, mais poderoso que ele já havia visto.
A colocou no chão onde seus pais correram para abraçá-la.
Após os abraços e beijos de seus pais, se voltou para Sergei, que estava ali parado, de joelhos.
Caminhou em sua direção e disse:
- Quem é você?
- Cara princesa, sou um homem comum, cheio de falhas e esperanças, sonhos e desilusões. Me chamo Sergei Maliutin, mas isso é apenas um nome. Sou o fruto de uma vida onde tive mais erros do que acertos e isso muito me envergonha. Sinto que pode ver tudo o que fiz de errado até agora e isso me afasta de você. Mas agora, aqui de joelhos, a única coisa que posso dizer para responder sua pergunta de forma sincera, é que sou quem você quiser que eu seja. Sou seu desde o momento em que meu coração se entregou ao seu olhar.
- Meu bravo salvador, percebo a verdade em suas palavras e me lembro de você. Lutando com a bruxa e dizendo que me amava. E no momento em que ouvi sua voz, soube que estava salva. Sei que cometeu erros, mas todos cometemos ao longo de nossas vidas e sei também, que suas palavras são sinceras.
Pegando Sergei pelas mãos, Julia o levantou e viu em seus olhos que tudo que ele dizia era verdade, pois dizia com o coração.
Se aproximou dele, o abraçou e disse, em um leve sussurro que acariciou seus ouvidos:
- Eu também sou sua. Eu também te amo.
E sob os olhares do rei e a da rainha, e de todas as pessoas que ali estavam para celebrar o retorno de sua amada princesa, eles se beijaram.
Alguns dias depois, um grande casamento foi celebrado entre Sergei e Julia, que havia ficado conhecida como A princesa esquecida.
Os anos se passaram e tiveram sua primeira filha, que chamaram de Anastácia.
No aniversário de 10 anos, seu pai lhe deu um presente especial.
Tirando de um armário uma bolsa velha e surrada, caminhou até ela que tinha os mesmos olhos de sua mãe. Lindos olhos castanhos.
Sergei se sentou e tirou de dentro uma velha boneca, que há muito tempo atrás, decidiu se ele e Julia sobreviveriam ou não.
E a deu para Anastácia.
- Como se chama essa boneca papai?
- Se chama Matrioshka pequena Ana.
- Matrioshka? O que esse nome quer dizer?
- Quer dizer mãe, já que ela sempre tem uma outra boneca dentro de si, que por sua vez possui outra e assim até a última. Portanto ela é a Matrioshka, a mãe sempre pronta a dar a luz a outra.
- Ela é linda papai.
- Mas, além disso, ela tem outro significado.
- E qual é papai? – perguntou curiosa a pequena Ana.
- Ela também serve para lembrar que o que vemos de alguém, é apenas uma imagem, que esconde outras até que finalmente se encontre a verdadeira pessoa. O que cada um realmente é. Então se lembre sempre Ana, de que por trás até mesmo de uma bruxa, pode haver uma mulher triste e solitária.
E a partir desse dia, as Matrioshkas foram dadas às crianças, para lembrarem da história de coragem de um jovem andarilho que arriscou sua vida pelo amor de uma mulher que ele sequer havia visto pessoalmente e também, para ensinar que como as bonecas, todos temos muito mais dentro de nós do que podemos imaginar a primeira vista.