terça-feira, 23 de setembro de 2008

Mais uma vez digo: Quem disse que de algo ruim não pode nascer alguma coisa boa?

Ok, é patético o que vou dizer, mas serei sincero.
Pensem em minha situação: Quase 30 anos, morando sozinho, em um cidade que não é a minha e me é estranha em todos os aspectos possíveis de se pensar, solteiro e numa semana péssima no trabalho. Além de tudo isso, chega o dia dos namorados e você está sozinho, a pé e sem nenhum dinheiro para sair.
Estava a ponto de explodir e de fato, explodi. Mas não da forma tradicional sabe? Ficando mau-humorado (não muito pelo menos) e brigando com Deus e o mundo. Consegui explodir de forma mais útil eu acho.
Esse texto vem de uma idéia que tive há tempos quando ouvi alguém dizer que hoje em dia, o amor é apenas algo que pode ser comprado como um carro novo ou algo assim. Infelizmente em partes sou obrigado a concordar com isso pelo tanto de pessoas que vendem seus corações por qualquer coisa que lhes agrade os sentidos.
Então, esse texto vai para as pessoas que assim como eu, ainda acreditam que o Amor é algo que não tem preço.


O valor do amor

Mais um doze de junho havia chegado.
O dia dos namorados. Um dia em que por muito tempo o amor era celebrado e lembrado pelos vários corações apaixonados. Um dia onde ele era soberano, mas que agora, perdia cada vez mais espaço nos corações das pessoas, trocado por desejos e sentimentos mesquinhos e superficiais.
Era noite e a cidade pulsava acompanhando o ritmo de tantos corações que circulavam por suas ruas. Corações que mesmo acompanhados, eram solitários.
Acima da cidade, onde apenas os pássaros ousavam pousar, havia dois homens sentados na beirada de um prédio. Se pareciam com homens comuns, mas eram muito mais que isso e muito mais antigos do que aparentavam ser. Se alguém os visse de perto, sentiria no mesmo instante o poder que emanava daqueles dois estranhos seres. Sentira medo, curiosidade, reverencia e admiração.
Um deles tinha uma cabeleira vasta, formada por caixos de um loiro tão intenso, que pareciam feitos da própria luz do Sol. Sua pele era de um branco puro e imaculado, tão clara que refletia a luz da lua. Sua aparência era nobre e jovial, embora seus olhos mostrassem muito mais sabedoria e experiências do que seu rosto jovem podia aparentar. Lembrava os deuses gregos das lendas antigas, cujos rostos foram tantas vezes retratados em pinturas e estátuas. Vestia uma longa capa, puída e simples, que contrastava com seu jeito nobre.
Seu nome era pouco conhecido nos dias de hoje, mas antigamente, todos o conheciam e prestavam honras a ele.
Seu nome era Eros.
O outro homem era totalmente seu oposto. Tinha os cabelos bem aparados em um corte moderno e eram de um negro tão intenso que pareciam ser feito da mesma matéria que formava a escuridão. Usava um terno também de cor escura e com certeza, de alguma marca famosa e cara. Também possuía belas feições, mas eram mais como as de um animal selvagem, como por exemplo, as de uma cobra. Um olhar capaz de fascinar as pessoas, mas incapaz de esconder o desejo de atacar. Olhos que revelavam o predador que ele era. Não possuía um único nome, mas de todos os que havia recebido, o seu preferido era Greed.
Ambos olhavam as pessoas abaixo com curiosidade.
Pessoas comprando presentes, pagando jantares e gastando dinheiro de várias maneiras numa tentativa de mostrar o quanto valia o amor que diziam sentir e, vendo essa cena, o rapaz loiro se entristecia enquanto seu jovem companheiro parecia se divertir.
- Está vendo meu velho amigo? Infelizmente não há mais espaço para você nesse mundo. É meu tempo agora. – disse Greed, acendendo um cigarro e dando uma profunda tragada.
- Talvez seja verdade, talvez não. De qualquer forma não seja tão presunçoso. Você ainda é novo e, não importa a força que tenha, existem coisas mais fortes que você pelo mundo. –
Enquanto conversavam, Greed apontou um casal que discutia em um banco de uma pequena praça, ao que parece, pelo fato do jovem rapaz ter esquecido de comprar o presente de dia dos namorados para sua namorada.
Greed se divertia vendo a cena e gargalhava feliz entre uma tragada e outra.
- Vê o que digo? Não importa para ela se ele a ama ou não, e sim, se ela vai ganhar um presente ou não. Materialismo puro e simples. É disso que falo. –
Eros olhava para aquilo e não conseguia disfarçar a tristeza que sentia diante daquela demonstração de ganância e interesse puro. Como era possível que as pessoas valorizassem tanto um bem material e se esquecessem completamente do que essa data realmente significava, ou pelo menos, do que deveria significar? Como era possível que o amor pudesse ter perdido seu valor e acabar tão banalizado, tão em segundo plano? Mas o que o consolava era que mesmo assim, ele ainda não havia sumido do coração de todas as pessoas, afinal, ele ainda estava ali não estava? Estava ali, sentado lado a lado com seu rival, mas ainda estava ali.
- Pode ser que você tenha razão, pelo menos com aqueles dois como exemplo. Mas olhe para aquele outro casal logo ali na esquina. – Eros apontou para a marquise de uma loja de luxo, onde um casal de mendigos arrumava, da melhor forma, o que viria ser a cama deles naquela noite.
- O que têm eles? São apenas dois vagabundos, o que eles podem... –
- Shhhh!!! Apenas escute. – disse Eros levando o dedo à boca e interrompendo seu companheiro.
Na marquise, o casal se preparava para mais uma noite como tantas outras que já haviam passados juntos. Noites frias, sofridas, com o sono interrompido pelas reclamações de um corpo com fome e medo.
Quanto tempo fazia que eles já viviam assim? Isso já não importava mais. Desde que se conheceram, tudo passou a ser diferente. O frio da noite passou a ser mais suportável e, seus dias, mais felizes.
Já não eram mais sozinhos no mundo.
- Hoje é dia dos namorados não é? – Perguntou a mulher
- É mesmo, é hoje. – Respondeu o homem envergonhado por não poder ser capaz de comprar um presente para sua mulher. – Eu não me esqueci, apenas... Desculpe-me por não ter dinheiro para lhe comprar um presente decente. – E desviou seus olhar, envergonhado.
- Não fale isso – disse ela levantando o rosto dele e encarando seus olhos tristes. – Dinheiro é necessário, mas não é vital, afinal mesmo com dificuldades não continuamos vivendo? Presentes são bons de se ganhar também, é verdade, mas quantas pessoas podem ter a sorte de ganhar o presente que estou recebendo hoje? –
Sem entender o que acabara de ouvir, ficou olhando curioso sem entender do que ela estava falando.
- De que presente você está falando? –
- O de passar a noite do dia dos namorados com alguém que amo e que tenho certeza que me ama também. –
Sentindo as lágrimas brotarem em seus olhos ele a beijou e por um momento não havia mais pobreza, frio, cidade ou qualquer outra coisa além deles.
- Eu te amo. – sussurrou ele
- Eu também te amo, mas vamos dormir agora? – Perguntou ela gentilmente enquanto já ia se aninhando nos braços dele.
- Feliz dia dos namorados. – disse ele fechando os olhos e puxando ela para mais junto de si.
- Feliz dia dos namorados para você também. – respondeu ela, também de olhos fechados e se sentindo realmente feliz, a despeito da vida dura e sofrida que levavam.
E lá, naquela marquise, esquecidos pelo mundo que os cercava, mas aquecidos pelo amor que sentiam um pelo outro, dormiram.
E lá em cima, Eros sorria.
- Que diabos é esse sorriso? Aquilo não diz nada, são apenas dois vagabundos que não tem onde caírem mortos. São apenas dois no meio de muitas pessoas ricas e outras não tão ricas assim, mas que, de qualquer forma, são capazes de pagar ou vender seus corações a quem fizer a melhor oferta. Dois que não tem nada além de um ao outro, perdidos no meio de muitos que possuem tudo e às vezes todos. –
- Exatamente meu caro. E é exatamente ai que está à diferença entre nós dois. – disse Eros enquanto se levantava, apoiando-se em uma espécie de bengala. Não, não era uma bengala. Era um arco.
- Nem pense em ir saindo de fininho. Pode ir se explicando. -
- A diferença entre nós é que para você existir, precisa de muitos que só conseguem dar valor ao que podem comprar.-
- Sim e daí? –
- E daí que, para eu continuar a existir, só preciso de duas pessoas, que sequer precisam ter dinheiro. Para eu continuar a existir, preciso apenas de dois corações capazes de ver o que lhes é oferecido, sem preço algum, e assim sendo, sejam capazes de ver o verdadeiro valor desse ato. –
- Ta de brincadeira comigo né? –
A meia-noite chega e com ela, a primeira badalada do sino da catedral começa a soar pela noite, marcando o fim de mais um dia dos namorados.
- Ei, ta indo para onde? – perguntou Greed se levantando e tirando a poeira de seu terno escuro.
- Para casa, afinal já fiz o que eu tinha para fazer. -
- E posso saber o que foi que você fez? –
Subindo no beiral do prédio, o jovem loiro se deteve um instante e respondeu a seu companheiro sem olhar para trás.
- Provei que não importa a força que você tenha, ela nunca será capaz de superar o amor. – E sorrindo para a lua que brilhava, ele tirou sua capa, revelando enormes asas brancas. Entre elas, via-se uma aljava negra, repleta de flechas douradas que brilhavam como se tivessem luz própria.
- Até o ano que vem meu amigo –
E sem olhar para trás, abriu suas asas e, sentindo o vento em seu rosto, pulou do prédio, desaparecendo na escuridão.
- É meu velho, até o ano que vem. – resmungou Greed ainda em pé, olhando para a noite que o cercava e ouvindo a última badalada do sino morrer na noite.
E por um momento sentiu uma leve ponta de tristeza ao perceber que mesmo possuindo vários corações, estava ali sozinho.

Um comentário:

Mah disse...

Fofo! Parabéns. amanhã falamo-nos... bjo